Uma regra que concede um subsídio para consumidores que instalam painéis solares (fotovoltaicos) em suas casas, começa a ser revista nesta terça-feira, 22, pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Criada em 2012 para incentivar a geração distribuída, ela confere redução de 80% a 90% nas contas de luz desses usuários.
Para isso, basta ter espaço e dinheiro – um sistema residencial custa de R$ 15 mil a R$ 25 mil. Parte dessa economia é repassada para as tarifas de energia dos demais usuários que não fazem esse investimento. Para especialistas, o benefício pode ser considerado perverso. Em Piedade, no interior de São Paulo, um engenheiro reduziu a conta de luz de casa de R$ 310 para R$ 35 depois de instalar os painéis solares.
A maior parte do subsídio é dada na taxa de uso da rede. Esses consumidores, também chamados de “prosumidores”, têm acesso a um sistema de compensação: a energia que geram cria créditos, que são descontados do consumo efetivo. Nos sistemas remotos, é possível gerar energia em uma fazenda e usar os créditos no local e em um apartamento a quilômetros de distância, por exemplo.
Por mais que gerem toda a energia que consomem, os prosumidores dependem das distribuidoras, cujas redes funcionam, na prática, como armazenadoras do volume gerado e não consumido. Para injetar a energia gerada pelos painéis de dia, é preciso utilizar a rede de postes e a fiação das empresas, assim como para receber eletricidade à noite.
O valor pago por esses consumidores às distribuidoras corresponde ao consumo líquido – ou seja, a diferença entre o que foi gerado e o que foi consumido. Quem gera mais do que consome paga às empresas apenas uma taxa de disponibilidade da rede, de cerca de R$ 50 mensais, valor menor do que a remuneração que deveria ser paga pelo uso das redes.
Esses usuários, caso gerem no mínimo o que consomem, também não pagam os subsídios do setor elétrico, conta de R$ 20 bilhões embutida nas tarifas de usuários de todo o País. Em ambos os casos, os demais clientes pagam a parte dos que aderiram à energia solar.
A redução do custo dos painéis solares, aliada à política de financiamento de geração distribuída de bancos públicos e aos reajustes da conta de luz acima da inflação, provocou uma corrida de clientes à nova tecnologia. Empresas que fazem a instalação dessas placas em residências afirmam que o retorno do investimento se dá em um prazo médio de cinco anos – cerca de 20% ao ano, mais que o dobro do rendimento dos títulos do Tesouro Direto. O BNDES, por exemplo, financia até 100% do investimento, com prazo de pagamento de 120 meses, carência de dois anos e juros a TLP ou Selic.
Atualmente, o País conta com 53 mil sistemas conectados, com potência instalada de 661,3 megawatts, o suficiente para abastecer uma cidade como Curitiba (PR), com cerca de dois milhões de habitantes. Há apenas um mês, eram 48 mil conexões e 592 MW, um crescimento de mais de 10%. Quanto maior o número de usuários com painéis solares, maior a conta dos demais consumidores.
Assunto é polêmico
O presidente da Associação Brasileira de Grandes Consumidores de Energia (Abrace), Edvaldo Alves de Santana, classifica o subsídio aos painéis solares como perverso. “Todo subsídio é perverso, só que uns são mais que outros. É o caso do subsídio para instalação de placas fotovoltaicas. O pobre, que não pode tê-las, paga para o rico”, disse. “É um contrassenso a Aneel manter um subsídio desse tipo enquanto o governo defende a redução desses custos”, disse, em referência ao decreto publicado no fim do ano passado, que cortou os benefícios de irrigantes, elaborado pelo Ministério de Minas e Energia (MME).
O presidente da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), Rodrigo Sauaia, defende o modelo atual. Na avaliação dele, o sistema tem custos, mas gera mais benefícios para a sociedade e contribui para manter a matriz energética limpa. “As distribuidoras são contra porque elas estão perdendo receitas privadas.”
A Absolar afirma que os usuários de geração distribuída investiram R$ 2,5 bilhões em sistemas desde 2012. Cerca de sete mil empresas atuam na área, com cerca de 20 mil empregos gerados. “Isso é só o começo. Seria prematuro e negativo rever esse modelo agora. Isso vai contra o interesse da sociedade”, disse Sauaia.
O diretor da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), Marco Delgado, calcula que o subsídio aos painéis solares custe R$ 270 milhões por ano aos demais consumidores. Se as regras atuais forem mantidas, o valor pode chegar a R$ 1 bilhão já em 2020, diz o executivo.
“O subsídio é injustificado. Pelo ganho de escala, tecnologia e competição, a geração distribuída já pode pagar adequadamente pelos serviços prestados pelas redes elétricas”, afirmou Delgado. “Não é questão de pagar mais, e sim pagar o que é o adequado.” Na avaliação dele, a revisão do modelo vai continuar a dar retorno aos usuários, com taxas de retorno superiores à da poupança, por exemplo.
Há divergência até mesmo na Aneel
O tema gerou polêmica até mesmo dentro da agência reguladora. Uma nota técnica preparada sobre o assunto sugere a manutenção da política atual e estende o subsídio para consolidação da tecnologia, até que as placas solares atinjam um determinado marco, de pouco mais de 3 mil MW para sistemas locais e de 1,25 mil MW para sistemas remotos.
Outra nota técnica da Aneel avalia que a questão deve ser tratada de imediato por causa dos impactos dos subsídios aos demais consumidores. “Num primeiro momento a redução de consumo só compromete o faturamento das distribuidoras, e num segundo momento são os demais consumidores que arcam com os custos não recuperados”, diz o documento.
Relator do processo na Aneel, o diretor Rodrigo Limp disse que a agência vai apresentar uma proposta de revisão da norma. “Sabemos que o modelo atual não é sustentável no longo prazo. A questão é encontrar um equilíbrio para não retirar a competitividade da geração distribuída”, disse. Ele avalia, no entanto, que a geração distribuída ainda tem potencial para se desenvolver mais no País.
Para o presidente da consultoria de energia PSR, Luiz Barroso, este é o momento para rever a norma e implantar a tarifa binômia – modelo que separa o custo da energia do gasto com o transporte. “O ideal é resolver o problema enquanto o montante de painéis solares ainda é pequeno. Botar a pasta de dente de volta ao tubo depois que apertou é sempre mais difícil”, comparou.