SÃO PAULO – Os novos personagens que o governador eleito do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), quer levar para as zonas conflitadas da cidade e do Estado, são figuras discretas. Atiradores de elite, os “snipers” na denominação em inglês, não têm nome, não devem ser vistos e quase sempre agem como sombras, confundidos com o cenário – ainda assim, são eficientes em seu trabalho: eliminar ameaças, matar pessoas. Podem atingir a cabeça de um homem a meio quilômetro de distância de tal forma que o alvo caia imóvel.
“Nesse caso, o objetivo é impedir a reação nervosa espontânea do dedo no gatilho de uma arma apontada para um refém ou da mão que segura o disparador de uma bomba”, explica um especialista do Centro de Instrução de Operações Especiais do Exército, em Niterói, na região metropolitana do Rio, onde são formados os caçadores, a tropa do tiro de precisão.
Homem calmo e de fala mansa, ele diz que “não há a menor dificuldade em fazer o trabalho para o qual a seleção é rigorosa e o treinamento muito severo”. Não é uma vida fácil e não está acessível a todos os interessados. A Marinha e a Aeronáutica, mais a Polícia Federal e as polícias estaduais mantêm quadros próprios dedicados a esse tipo de ação letal. Pouco se sabe a respeito de sua folha de serviços.
Nas Forças Armadas, há o reconhecimento formal de que snipers integraram o efetivo brasileiro na estabilização do Haiti, sob mandato da Organização das Nações Unidas (ONU). A missão de paz, encerrada em 2017, durou 13 anos.
Witzel quer formar times de atiradores para cumprir uma estranha missão: abater quem for visto portando fuzis em meio às favelas e comunidades do Rio. Não é tão simples. De acordo com a legislação vigente, a posse do rifle não autoriza o disparo letal – embora exija prisão. Criminalistas ouvidos pelo Estado acreditam que isso só seria possível em uma situação de exceção, como a declaração do estado de sítio ou do estado de defesa, quando há a supressão dos direitos constitucionais.
Claro, em um confronto, vale o princípio da legítima defesa e da destruição da ameaça. O governador eleito, ele mesmo juiz federal, diz que trata-se de uma questão de interpretação da lei, e que prefere “defender o policial (que atirar para matar) no tribunal do que ir ao funeral dele”.
Os snipers das Forças Armadas atuam em situações de conflagração, apoiando a segurança da tropa e de autoridades, obtendo informações e neutralizando alvos selecionados. Os times policiais acrescentam “outro objeto” à lista, eventuais sequestradores que mantenham reféns sob risco. O tiro é feito quase sempre em duplas. O atirador e o observador, que fornece as informações de apoio – checagem da distância, interferências, direção do vento. Há certos padrões. O disparo deve ser feito na faixa de 300 metros para que a posição não seja detectada. A incidência de luz precisa ser considerada para evitar o reflexo na lente do sistema da mira. A dupla usa traje camuflado e às vezes uma espécie de cobertura para confundir um provável olheiro
No treino, de duração específica não explicitada (pode durar de 30 dias a três meses, informa um oficial dos Fuzileiros Navais) os alvos medem 50 centímetros. E são moveis. As Forças empregam cinco diferentes tipos de fuzis, entre os quais os imensos Barrett M82A1 .50 americanos. Todos os demais são de calibre padrão 7.62.
Exigências
Os militares e policiais candidatos à função de atiradores de precisão são voluntários. Tem entre 25 e 35 anos de idade. Precisam ter passado por outros níveis de qualificação nas forças de operações especiais. O condicionamento físico é exigente. Alimentação balanceada, peso ideal, pressão arterial normal são pré-requisitos.
“No momento do disparo, só o dedo indicador deve se movimentar; a respiração precisa estar no ritmo do batimento cardíaco e o acionamento do gatilho deve ser suave – tudo isso para evitar desvios de trajetória”, explica o especialista do Exército.
Para ele, “a possibilidade de o sniper confundir um guarda-chuva ou qualquer outra coisa com um fuzil é inexistente: a preparação ensaia essa eventualidade centenas de vezes”. O abandono durante o ciclo de instrução é alto. Em um dos cursos de três semanas do Batalhão de Infantaria Especial da Aeronáutica, em 2005, foram formados 14 atiradores. Houve quatro desligamentos.